em cada canto da floresta vocĂȘ pode ouvir uma flauta tocando vocĂȘ pode ouvir esta mesma flauta no rio tupana, solimĂ”es ou no abandono de ariaĂș um macaco-de-cheiro, um bicho-preguiça uma criança ribeirinha de seis anos sabem tocar uma flauta vocĂȘ sabe? aquelas duas araras que atravessam o cĂ©u todas as tardes sĂŁo musicistas repara que nunca estĂŁo sĂł apenas quem Ă© fiel ao outro Ă© digno de aprender um instrumento de selva se vocĂȘ for agora a uma mata de igapĂł e esperar em silĂȘncio pode ouvir um filhote de papagaio cantar mas se for um silĂȘncio de alma vocĂȘ ouve aquela flauta se for alma treinada vocĂȘ ouve um cabloco cantando suas raĂzes se for coração afinado vocĂȘ vĂȘ a cor de seus sonhos nadando nas ĂĄguas do rio negro e ainda percebe que a floresta Ă© inundada mas de encanto ponha tua mĂŁo em teu peito e escute o som de uma sapupema preencher toda a mata a gente carrega dentro um tambor e nĂŁo sabe como tocar no interior de uma andiroba tem um Ăłleo que cuida de pele machucada hĂĄ veneno e cura dentro de uma mente que dĂĄ frutos e a gente passa a vida ardendo em febre e cicatrizes a samaĂșma Ă© rainha da floresta porque soube firmar raĂzes antes de crescer Ă© mĂŁe de todas as ĂĄrvores porque retira ĂĄgua das profundezas da terra para alimentar-se a si e ainda repartir com outras espĂ©cies qual a Ășltima vez que vocĂȘ repartiu seu alimento? cada ser humano tinha que ter uma samaĂșma plantada dentro de si essas ĂĄrvores tambĂ©m sabem tocar flauta porque a mĂșsica tem poder de cura e atĂ© nietzsche que nem era da selva entendeu isso os cantos da floresta nĂŁo foram escritos em partituras procure de bach a pattĂĄpio silva nas linhas de tom jobim de chiquinha gonzaga nĂŁo ouvirĂĄ uma nota sequer daquela flauta em pinxinguinha vocĂȘ verĂĄ algo parecido em celdo brada mas apenas se escutar com os pĂ©s descalços e ter dormido na aurora de um rio pelo menos uma vez na vida poucas coisas na vida sĂŁo mais importantes que ir ao jaraqui e fumar um galho de ambĂ© uma delas Ă© fazer trilha na mata de vĂĄrzea que fica dentro do peito a gente Ă© mata fechada lugar que nĂŁo se explora, nĂŁo se habita como ouvir uma flauta no canto de um uirapuru se falta tempo se falta silĂȘncio se sobram traumas? a gente enfrenta sucuri todo dia mas nĂŁo pisa num espelho talvez vocĂȘ tenha aprendido a tocar flauta quando era ainda uma criança indĂgena dois sĂ©culos atrĂĄs no choro de um ritual de ayahuasca mora o silĂȘncio da mata escuta teu choro pra aprender de novo a tocar escuta teu choro pra lembrar de uma tarde se espreguiçando de um rio amanhecendo de uma orquestra de rĂŁs anda com pĂ©s descalços e entra na floresta escuta a cor verde escuta... escuta .
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Ver tudonas Ășltimas semanas antes de dormir uma peste pula o portĂŁo bate com mĂŁos pesadas Ă minha porta espia nas brechas das janelas força trincos para entrar minha visita Ă© cĂŁo farejador caça sonhos, noites
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