uma peste corre livre
nos vastos campos da consciência
seca as lágrimas de mananciais
tinge o céu de cinza
enfeita com rachaduras o solo
abraça os resquícios de vida que habitam o seio de um pequeno agricultor
o ideal de campos verdes e frutíferos
vale mais que a realidade do terreno bonito e arado
a alegria dos tempos de colheita
cede à busca de um sentido para a plantação
mesmo em tempos de primavera
pesa aos ombros do frágil agricultor
o inverno da própria liberdade
resta-lhe buscar um caos a que possa se sujeitar
contempla o que mais lhe falta
enche os poços de vazio
rega a esperança com terra seca
na ausência de algo sólido
apega-se às suas próprias fraquezas
bebe de seus frutos
respira os ventos que acariciam suas madeixas
a peste nasce da semente podre plantada pelo próprio agricultor
sua criatura alimenta-se na noite turva
nutre-se dos pensamentos que se esvaem na solidão
ela cresce feroz e destemida
regada pela visão do dilúvio
as neuroses entram na arca para serem prisioneiras
os devaneios se afogam correndo pelos campos em liberdade
uma flor nasce, a peste não perdoa
um pássaro canta, a poesia não ressoa
nuvens choram, é ácida a garoa
a peste voa à toa, com espinhos fez nova coroa
não perdoa a plantação, antes caçoa
de si mesmo e de seu criador
refém de sua criação
o agricultor está preso
em sua subjetividade
o sofrimento bebe do seio da consciência
ou será a consciência que gera em seu ventre o sofrimento?
[quando a mente é livre para aprisionar]
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