É frio, tá de noite
o vento me corta tipo uma foice
jaqueta fina, calça que não serve no irmão
chinelo, sem meia,
imagina a pressão
Tô com fome e preciso levar grana pra casa
entro num fast food
mas ali só tem gente rude comendo
vai vendo
Entro
peço uns trocado
mas na mente dos cara sentado tá escrito:
"dar grana pra moleque folgado, pra quê? Não sou obrigado!"
Me sinto culpado, nem sei de que!
O recado é dado no olhar indiferente
mas, na fala, a forma é diferente
sorrisinho sem graça e hipócrita na boca:
"não tenho grana hoje, filho."
E assim eu trilho
mas só partilho
da mesma dor
com quem é da quebrada
porque, pros outro, nóis não é nada
a moeda nem é dada
mas a ideia errada é lançada:
"sustentar família errada? Vagabundo que bota criança no mundo? Não vou! Cadê o pai dessa criança?"
Ae, também faço essa cobrança!
Meu pai tá preso...
foi isso que me deixaram de herança
"Mas e a mãe?"
sei lá, meu
quem tá pedindo ajuda não é ela
sou eu!
Passo de mesa em mesa
já na certeza do não
não tenho patrão
mas tenho minhas meta
preciso sustenta meus irmão.
Tá vendo como no bagulho tenho responsa?
E você aí na desconfiança.
Jão, nem tenho tempo de estudar
nem cabeça pra pensar
que a escola é importante
o trampo na rua é maçante
Enquanto os moleque da sala têm tempo de jogar video game e fazer lição
minha mãe não tem grana pra botar um lápis e borracha na minha mão
Realidade dura e fria
o desejo de vingança em mim se cria.
Os moleque me zoando na escola
só porque vivo pedindo cola
acham que sou burro e idiota
talvez eu seja
mas minha melhora ninguém almeja.
As prof dizendo que eu tenho que ter mais esforço
umas me deixaram de reforço
umas tia até disse cheguei ao fundo do poço.
Mas ninguém nunca perguntou quais são minhas meta
ninguém chegou “ae, moleque, quais são seus sonho?”
Sabia que pra sair dessa vida até uns funk componho?
Pois é, também quero andar nos pano
não é isso que dá valor ao ser humano?
Então, por isso comecei a andar com uns mano aí...
Tô fazendo coisa errada
Eu sei
Mas também queria ter tua vida de rei...
A realidade da rua convida
à conduta da intriga, da ira.
Dizem pra mim "sai dessa, é fria!"
Sair como? Minha vida nem tem poesia
E nem me venha com ladainha de meritocracia!
Qual é a tua?
Trampo vendendo bala na rua
enquanto você sai de carro pros rolê
pra você vê
não é a meritocracia que faz a gente crescê?
Então, tio,
trampo no frio, olho uns carro
vendo bala no farol
faça chuva, faça sol
tô na correria
mas a recompensa de mim se distancia!
Fala, jão, por que tô dessa?!
Fala, caraio! Como saio dessa?
Meça seu preconceito, parça
porque por nóis não há quem faça!
*
Relaxa, jão, não vou te roubar
mesmo você miguelando aí esses trocado que vai sobrar.
Quem tá roubando aqui é a sociedade
tá assaltando a infância de um menino.
E é sempre parece destino do oprimido parecer o assassino.
Quem segura a arma aqui é você, burguês da classe dominante
é o seu olhar de desprezo, arrogante
O grande inquisidor
da minha sentença
é a tua indiferença!
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