I.
meu espelho é campo de batalha. saio semi-sobrevivente de mim toda vez que me enfrento. sangro-me em reflexos, corto-me em lâminas e lascívias, atiro-me com arma de fogo e ao mar. torno-me soldado ferido por vestir armaduras que não me servem. sou herói sem medalhas igual pássaro sem asas. queda. II.
meu espelho é labirinto. nele não me acho. perco-me em reflexos como no papel em versos me espalho. espelho-fuga. do outro lado mora outro eu perdido e o monstro que devorou as sombras dos sonhos. o outro lado é muro-espelhado que esconde a outra margem. é mapa de rachaduras de alma. trinquei-me. sou vidro frágil. III.
meu espelho é cemitério. lá morreram minhas certezas. olhar para ele é tão incerto quanto andar em campo minado. explodo dentro de mim. IV.
meu espelho são os outros. são os dedos-arma que puxaram o gatilho do julgamento, são as línguas que me amputaram o sorriso, são os olhos que me puseram vendas e entregaram-me ao inimigo. os outros são o tiro que rasga minha garganta, a corda que abraça meu pescoço, o mar que engole meu corpo, o vento que carrega minha alma. V.
meu espelho sou eu mesmo. minha imagem refletida nas águas. VI.
espelho-mar. enchi-me de vazios e transbordei. mergulhei olhar a dentro. afoguei-me.
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