as paredes de casa estão úmidas
já não resistem a ação do Tempo
sentado em minha cama
vejo o reboco do teto cedendo
e rachaduras destoando a pintura
sobre minha coxa
cai a poeira
fruto do desgaste de meu teto
a cada reflexão
uma rachadura nova
juntas, criam um mapa de lembranças
fruto da umidade de meu tempo
uma ampulheta à minha frente está
o teto se desfalece no mesmo ritmo
da areia que dentro dela cai
há pouca areia na ampulheta
mas muita poeira que me sufoca
o teto cede por inteiro
do andar de cima
vêm abaixo
os móveis, vasos e tapetes
vêm à tona também os livros e as fotografias
tudo se desmancha e vira pó
dentro de minha casa
poeira intensa, suja toda a noite
é difícil respirar, a visão fica turva
nem mais a ampulheta consigo ver
há tanta poeira sobre mim
é impossível me levantar
ela me devora, pesa como chumbo
não há mais teto
tampouco o andar de cima
não há o que me proteja da chuva
a água não serve para limpar a poeira
antes cria barro em todo o quarto
sem mais o meu teto
dá pra ver as estrelas no firmamento
mas elas não brilham
o vento espalhou a poeira
e toda a noite ficou opaca
a chuva fica mais forte
além do teto
fará desabar o céu!
não cai mais água na tempestade
apenas a areia da ampulheta
a noite esvanece
desfalece
vira pó
as estrelas, a lua
os astros, todo o firmamento
desfarelam e caem sobre meu corpo
tudo que é matéria implode dentro do meu quarto
não há mais céu
não mais mais casa
não há nem trevas
somente o nada
*
levanto-me giro a ampulheta sento-me novamente espero uma nova ruína
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