nas últimas semanas antes de dormir
uma peste pula o portão
bate com mãos pesadas à minha porta
espia nas brechas das janelas
força trincos para entrar
minha visita é cão farejador
caça sonhos, noites e traumas
ataca no silêncio e início de uma insônia
sua vítima é sempre vítima
de outros abates, lembranças ruins
finais de histórias mal resolvidas
covarde, ataca presa cansada de correr
nas redondezas de mim, uma ansiedade está à solta
esqueço às vezes uma cortina entreaberta
uma luz acessa, uma conversa não arquivada
nessa hora a fera investe nos vidros da janela
é estilhaço para todo lado
derruba vasos, arranca quadros, arrasta móveis
empurra estantes, quebra enfeites, meu corpo imóvel
[cuidado com os cacos se
um dia em minha casa entrar]
os dedos suam, a noite transpira
deitado em silêncio, finjo não morar aqui
sinto a última refeição escalando minha garganta
e desabando de volta ao estômago
um cadeado tranca o ar pra fora de minhas narinas
a porta do quarto se abre l e n t a m e n t e
há somente nós dois no mundo
vizinhos não escutam meu caos
não há outros cômodos, quintal ou portão
moro num quarto no meio do nada
sinto suas mãos pesadas apertando o seio
sou pedaço de água sob impacto de uma geleira
peito-terra refém da rocha que salta da montanha
desmancho, sólida é a dúvida sobre o amanhã
*
ao meio dia desperto com arranhões nos olhos
entraria sol nas paredes do meu quarto
não fosse o terceiro dia sem abrir as janelas
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